“A decisão de Roberto Gurgel de arquivar representação contra o ministro Antonio Palocci (Casa Civil) ocorre em momento crucial para o procurador-geral da República.
Desde o dia 5 de maio, o nome dele está, junto ao de outros dois procuradores, na mesa da presidente Dilma para ela decidir quem comandará o Ministério Público Federal nos próximos dois anos.
Em eleição interna feita pela Associação Nacional dos Procuradores da República, Gurgel ficou à frente com 454 votos.
Os três procuradores mais votados compõem a lista tríplice encaminhada a Dilma, que deve indicar quem assumirá o cargo.
Ela não é obrigada a acolher os nomes sugeridos e não tem data para tomar sua decisão.
O ex-presidente Lula sempre nomeou o candidato mais votado.”
A matéria acima ensina alguns aspectos importantes a respeito do funcionamento do Ministério Público Federal, cujo o chefe é o procurador-geral da República.
O Ministério Público é o que os juristas chamam de órgão apêndice do poder Executivo, ou seja, ele tem autonomia funcional em relação ao poder ao qual pertence. Autonomia funcional significa que ele independe de autorização do chefe do poder Executivo (presidente da República) para tomar decisões e agir nos processos.
O Ministério Público serve para proteger o respeito às leis, sobretudo os direitos difusos e coletivos (aqueles direitos que pertencem à coletividade/sociedade, e não a uma pessoa em específico), como o patrimônio histórico ou ambiental. Em sua função de proteger o respeito às leis, ele pode se ver obrigado a propor processos contra o próprio governo, inclusive contra o seu ‘chefe’, o presidente da República. A bem da verdade, a maior parte das ações propostas pelo Ministério Público são de fato contra o governo, seja a administração pública direta (ministérios, secretarias, órgãos da presidência, polícias etc), seja a indireta (empresas públicas, autarquias, fundações públicas e empresas de economia mista).
É por isso que a Constituição dá ao Ministério Público essa autonomia funcional. Se o presidente da República precisasse autorizar as ações do Ministério Público contra ele mesmo, obviamente ele jamais seria processado.
Mas existe um sistema de pressão indireta do governo em relação ao Ministério Público: os mandatos para os cargos máximos dos Ministérios Públicos são determinados através de nomeação feita pelo chefe do Executivo (governador, no caso do Ministério Público estadual; presidente da República, no caso do Ministério Público federal). E esses mandatos são de apenas dois anos, ou seja, durante um mandato presidencial (que dura quatro anos), o presidente da República irá nomear ao menos dois procuradores-gerais da República. Se o procurador-geral da República quiser ser reconduzido ao cargo ao fim dos dois anos, terá de tomar cuidado para não contrariar o presidente da República.
O problema é que ele também pode decidir não propor o processo porque de fato não há provas (ou indícios de prova) contra o suspeito, ou seja, por uma razão jurídica e não política. Mas porque há sempre as duas possibilidades, nós, que não estamos sentados na cadeira do procurador-Geral, muitas vezes ficamos sem saber se sua decisão foi motivada por razões técnicas ou pessoais.
Por fim, a matéria acima menciona a eleição interna feita pelo procuradores da República para formar uma lista tríplice a ser apresentada ao presidente da República. Essa eleição (e a lista tríplice resultante dela) são apenas instrumentos de pressão política. Uma forma de os procuradores da República dizerem ao presidente da República que eles preferem que Fulano e não Beltrano seja o chefe deles. Mas cabe ao presidente escolher quem ele quiser: seja o mais voltado, seja o menos votado, seja alguém que sequer se candidatou. A única restrição é que deve ser um procurador da República.